Um conto prático sobre por que é tão importante viajar com um.
Quarta-feira, 10 de abril de 2019 - 5 horas da manhã
A tremedeira do queixo até os pés, calçados em um par de havaianas, refletia o inesperado de alguém que precisou sair às pressas e não imaginava que estaria esperando o Uber em frente a um hospital enquanto enfrentava o frio de 7º da madrugada de Washington. Quinze minutos de espera depois, o carro chega. O destino, o hostel. O check out, em menos de cinco horas a contar daquele momento. O quarto e as tantas malas, revirados. A noite, sem dormir. O diagnóstico, apendicite. A solução, cirurgia.
6:15 da manhã. Fechei o zíper da última mala. Sentei na cama, toda aquela noite passando na minha cabeça. Era tudo tão inacreditável... Talvez eu estivesse sonhando. Deitei, tirei os meus 40 minutos de sono quando o despertador tocou às 7 horas. Na outra cama, Lorena também despertava e, ao meu lado, onde deveria estar, só a ausência da Isabela, que estava do outro lado da cidade em um quarto de hospital. Então era real. E a gente estava prestes a dar a notícia a quem mais interessava: a família da paciente.
Não esqueça a importância do seguro viagem. Compare e contrate com 10% de desconto clicando aqui.

Eu sempre imaginei que se um dia precisasse acionar o seguro viagem seria por causa de extravio de bagagem ou algo parecido. Nunca imaginei que pisaria em um ambulatório fora do meu país e muito menos que chegaria perto de uma sala de cirurgia. Ninguém espera e tampouco deseja, na verdade, entrar em contato com o número que a seguradora nos fornece. Mas aconteceu. Foram momentos de muita tensão, mas agora que passou a gente até ri relembrando.
Estávamos eu e as minhas duas amigas-companheiras dessa viagem, Isabela e Lorena, em Washington, D.C. Naquele dia, voltamos mais cedo para o hostel pois a minha amiga Isabela estava com muito mal-estar — há dois dias ela já vinha sentindo algumas dores, mas nada como aquilo. Enquanto eu e Lorena saímos para comprar comida, ela ficou no quarto para se recuperar. Quando chegamos, não estava melhor, muito pelo contrário. Apesar dos vários remédios que a Isa tinha tomado desde manhã, ela sentia cada vez mais enjôo, dor nas costas e cólica.
Tentou se alimentar um pouco com a sopa que havíamos levado mas não conseguiu. Tentou novos remédios para diminuir o incômodo: de dor, de náuseas, de dor de novo... nada. Já era final da tarde. Nesse momento, não tínhamos comentado com a mãe dela para não gerar preocupação. No entanto, em uma tentativa de descobrir o que fazer, tanto a minha família como a da Lorena já sabiam.
Alguém falava para a gente ir na farmácia mais perto e comprar um remédio para dor de maior dosagem; outro tentava achar um motivo e tranquilizar — de repente a dor nas costas era de tanto carregar mala e a cólica, uma reação à comida diferente —; já a minha mãe, que ficou super preocupada e sequer dormiu até o final da história toda, disse: "minha filha, se isso não melhorar vão ao médico logo". Mãe é mãe, né?

Cheguei a entrar em contato com a seguradora (por aplicativo) para saber o endereço caso precisássemos de atendimento médico. A clínica conveniada já estava fechada aquele horário, mas nos deram o nome de outra ou orientaram a ir no hospital de nossa preferência que o seguro cobriria depois. Isabela hesitou, queria esperar os medicamentos fazerem efeito antes de acionar a assistência de fato. Era um outro país, uma outra língua, o medo de não conseguir expressar o que sente e o de ter algum gasto médico — que nos EUA é muito alto — e não ter dinheiro para pagar... mas vendo que as coisas não davam sinal de melhora, por volta de oito da noite, ela nos pediu para chamar o Uber e irmos para o hospital.
Foi uma jornada e tanta até chegarmos no local certo. Fomos para a Urgent Care (uma espécie de primeiro atendimento) indicada pela seguradora, mas demos de cara com ela fechada (ficava aberta até às 20h); aí procuramos por "hospital" no Google e pegamos outro carro para nos levar até o mais próximo, porém, chegando lá, não existia nenhum hospital ou centro clínico; depois encontramos uma "emergência", que seria então nosso próximo — e último — destino.
Era um prédio grande com várias entradas e nós entramos pela de emergência. Primeiro fizemos o "check in" na recepção. Pediram alguns dados, como nome completo e data de nascimento, e eu preenchi um formulário sobre saúde da paciente — aquele com perguntas sobre alergias, gravidez, etc. Colocaram no braço dela a pulseira com o nome e sentamos para aguardar. Além de nós, tinha apenas mais uma pessoa aguardando atendimento.
Logo chamaram para a triagem 1 (haviam duas). A primeira é como conhecemos: medem a pressão, a temperatura, os batimentos e te fazem algumas perguntas. As duas moças que nos atenderam foram extremamente pacientes e compreensivas e explicavam calmamente cada coisa. Perguntaram também, em uma escala de zero a dez, qual era a dor que a paciente sentia (eles controlam muito isso). Naquele momento a Isa respondeu: nove.
Voltamos para o lobby e em pouco tempo convidaram para a sala da triagem 2. Dessa vez, nada de acompanhantes. Isabela foi, demorou. Demorou mais um pouco. Os minutos no relógio se arrastavam... Do lado de fora, eu e Lorena aflitas. Pensei "pronto! Já encaminharam a menina para outro lado do hospital".
Passado um tempo, a porta abriu e pediram para que entrássemos. Isabela disse sobre o que consistia essa segunda parte: exames de sangue e de urina. Lá, você faz os exames antes de falar com o médico para ter um diagnóstico certeiro. Dali, encaminharam a gente para uma ala individual do "emergency room", que seria o pronto atendimento, com cama e tudo. Enquanto a Isa tomava medicação intravenosa nós aguardávamos os resultados, que levariam de 1 hora a 1 hora e meia para ficarem prontos.
Uma moça super simpática se apresentou como sendo a nossa enfermeira por aquele período. O nome dela era Raven. Não esqueci por causa das "Visões da Raven". Ela foi extremamente prestativa — aliás, fomos muito bem atendidas durante toda a estadia — e quando perguntou se precisávamos de algo, eu comentei que estava morrendo de fome. A Raven — desculpa a intimidade — disse que a praça de alimentação estava fechada, mas que ia providenciar algo. E conseguiu! Foi tipo o anjo que apareceu na minha madrugada para matar a fome de uma pessoa que estava há quase oito horas sem comer. Era o lanche que os plantonistas ganhavam, achei muita gentileza.
Nesse meio tempo, uma funcionária veio até mim e pediu o passaporte da paciente e entregou uma ficha para preencher com os dados do seguro. A partir daí, o hospital se encarregou de toda a tramitação com a assistência de forma que a gente não precisasse se preocupar. Mas como eu sempre gosto de ter certeza das coisas, entrei em contato com a seguradora — pelo telefone, a Raven nos emprestou o do hospital — para garantir que não teria nenhuma conta esperando a gente na saída, até porque não teria limite no cartão de crédito que suprisse gastos médicos nos Estados Unidos. Um atendente brasileiro me atendeu e confirmou que já estava tudo certo.
A médica do caso, do turno da madrugada, veio nos informar sobre o resultado dos exames anteriores. O de urina não apontou nada, mas o de sangue deu alguma inflamação. Disse que era para ficar tranquila, mas para eliminar qualquer hipótese seria necessário fazer um de imagem. E lá foi a nossa amiga para mais uma. Quando voltou, mais duas horas de espera, até que a médica, toda calminha e cordial, trouxe o resultado: Isa estava com apendicite e precisaria ser operada no dia seguinte.
Eu caí da cadeira. Não literalmente, mas psicologicamente. Mil pensamentos rodavam freneticamente na minha cabeça. "Misericórdia, como a gente vai contar pra mãe dela?? Tia Rose vai ter um treco!! Certeza que vai querer pegar o próximo vôo pra cá... nós somos apenas três meninas de vinte e poucos anos viajando tão longe de casa... Só queria nossas mães aqui, mãe sempre sabe o que fazer. Eu sei nem fazer um curativo... Que loucura..."

E, principalmente, a maior preocupação de todas: era uma cirurgia. Um procedimento simples, mas não deixava de ser cirúrgico. Ou seja, há riscos. Por outro lado, não operar não era uma opção devido às complicações que o apêndice inflamado poderia trazer. Então mesmo com todas as preocupações, a situação exigiu de nós uma presteza e responsabilidade que, provavelmente, a gente nem sabia que tinha até então.
Assim que a Raven retornou para trocar a medicação, ela demonstrou que já sabia da novidade, expressou um "oooohnn" tristonho e empático e comentou que a nossa paciente já tinha até um apelido pelos corredores: era a "appen girl" (garota da apendicite), a menina brasileira que estava viajando com as amigas quando descobriu que ia ter que tirar o apêndice (risos). Nesse momento, mesmo com todos os medicamentos na veia a Isa ainda tinha muita dor, sendo necessário aplicar morfina (sim!). E não só uma, mas duas vezes, porque a primeira aplicação não fez tanto efeito.
Já passava de 4 horas da manhã quando eu e Lorena deixamos a appen girl descansar e fomos resolver algumas questões no hostel. Nossa estadia terminava naquele dia, então fomos negociar com a proprietária mais uma noite. Como não sabíamos se seria possível, precisávamos deixar o quarto e as malas prontas caso tivéssemos que desocupar. Foi o tempo de arrumar tudo, cochilar por 40 minutos, tomar café da manhã e conversar com a dona que, para o nosso consolo, disse que o dormitório estaria vago. Daí, voltamos para o hospital.
Quando chegamos, a Isabela estava num quarto e com uma carinha bem melhor. A mãe dela ficou sabendo da notícia pela manhã cedinho. A primeira reação, como imaginávamos, foi: "você tem que voltar, minha filha!!", mas depois compreendeu que a cirurgia era simples e precisava ser feita logo. Isa também já tinha conversado com o cirurgião dela, que além de bater um papo descontraído (pesquisou sobre a nossa cidade natal, Cuiabá, no Google e tudo), a acalmou dizendo que era um procedimento muito comum e que já tinha realizado várias vezes. Por dia, ele fazia em média cinco operações dessa.
Esperamos por um tempo, mas ao menos o quarto era bem confortável. Grande, estrutura nova, tinha uma poltrona e um sofazinho (ou seja, cada acompanhante poderia dormir em um, apesar de que eu não consegui — provavelmente ainda tensa até tudo dar certo), a cama também era bem aconchegante, dava até para deitar ao lado do paciente se quisesse...
Por volta de onze horas da manhã, nossa querida appen girl foi levada para a sala de cirurgia e eu a acompanhei até onde podia. Antes de seguir adiante, no pré-cirúrgico, encontrei com o médico, que tentou conversar comigo e me dar algumas orientações. Ele também era bastante atencioso e compreensivo, mas para ser sincera eu entendia bem pouco do que ele falava, então eu estava só os Pinguins de Madagascar, sorrindo e acenando. Porém a última e mais importante mensagem eu captei: eu deveria aguardar no hall de espera até o término da cirurgia, não poderia sair de lá em hipótese alguma pois ele iria me procurar assim que acabasse. Tudo bem. Capisco.
Depois conhecemos o anestesista, que já tinha morado em Portugal e arriscou um português com a gente. Chegada a hora, antes de a levarem para o centro cirúrgico, perguntaram para mim: "você não quer dar um abraço na sua amiga?". Eu respondi: "she is not a hug person, but today is an exception" ("ela não é uma pessoa de abraços, mas hoje é uma exceção" — ou pelo menos acho que significa isso). E a abracei, mas não muito porque já estava morrendo de vontade de chorar. Eu sou a amiga sentimental.
Lá na sala de espera eu fiz uma espécie de check in, informei os dados da paciente, os meus e recebi um "bip", aquele aparelho tipo de restaurante que vibra para te chamar até o balcão. Nesse caso, ele avisava sempre que tivesse uma atualização do procedimento. Chique, né? Também tinha uma TV que mostrava em que pé estava a cirurgia por pessoa. Então você recebia um código, procurava por ele e lá estaria: "se preparando para a cirurgia", "em procedimento", "acordando" na televisão.
E assim a gente passou a tarde, na ansiedade de receber um bip novo a cada vez e, não aguentando, levantando para olhar a tela inquietamente depois de certo horário. Numa dessas eu descobri que tinham snacks e bebidas quentes de graça para os visitantes, daí me aquietei um pouco e fiz do local dos lanchinhos o meu novo point. Até que, irreconhecivelmente, o médico apareceu por debaixo da touca vestindo o pijama cirúrgico.

Com a primeira notícia dele, o alívio. Tinha corrido tudo bem. Em um pequeno pedaço de papel ele prescreveu os remédios e nos passou as indicações de uso. Por fim, avisou que a nossa amiga nos esperava no quarto e que logo seria liberada. Quando chegamos, Isa estava claramente sob efeitos da medicação, com uma carinha boa e uma paz na voz. E eu, num estado de felicidade interna tão grande de vê-la assim, tão melhor do que no dia anterior.
Ao lado dela, uma moça super simpática nos cumprimentou e disse: "Ah, vocês são as amigas!". Era a Lisa, a enfermeira responsável pela Isabela nessa fase de recuperação. Ela era muito atenciosa: deu lanchinho para levar pra "casa", incluindo uma Schewppes de gengibre que eu não conhecia mas já adoro; ofereceu o cobertor e o travesseiro para a Isa porque ela poderia precisar no ônibus durante a viagem para Nova York; e, antes de passar todas as orientações médicas para a gente, perguntou se queríamos uma tradução em português, mas além de o inglês dela ser super entendível (até eu compreendia tudo), depois de tanto tempo no hospital nós já estávamos até acostumadas.
Conversamos por muito tempo com ela. Sobre o Brasil, a nossa vida aqui, a nossa viagem aos Estados Unidos até então, a saga do hospital e de contar para a mãe da Isa sobre a cirurgia, o novo apelido de "appen girl" (rimos bastante)... Até que, enfim, deram a alta e a Lisa nos acompanhou até a saída do prédio, levando a recém-operada na cadeira de rodas. Depois de quase 15 minutos esperando o carro, o nosso Uber chegou e nos despedimos da nossa nova amiga e daquela aventura "Grey's Anatomy" inimaginável.

No final tudo deu certo e estávamos voltando para casa. Digo, nosso hostel. Seguiríamos viagem para Nova York na manhã seguinte. Tivemos muitas dúvidas em relação aos cuidados pós-cirúrgicos, mas todos os médicos e enfermeiros nos garantiram que eram tranquilos devido à simplicidade do procedimento, que foi todo a laser, sem pontos. Somente naquele dia a Isa deveria fazer repouso total, mas no dia seguinte já poderia retomar a vida de viajante normalmente, apenas sem carregar peso.
E como toda experiência, essa me deixou muitos aprendizados. E sentimentos, claro. Com tantas pessoas boas e gentis que cruzaram o nosso caminho, eu criei um certo apego e carinho. Assim, nos tranquilizaram e transformaram uma situação que poderia ser um tanto quanto aflitiva pra gente em momentos até acolhedores.
Sobre os aprendizados, eis aqui os principais:
Descobri na prática a importância de ter um (bom) seguro viagem. Ás vezes é um item que não ganha a devida atenção durante o planejamento. Muitas pessoas tem dúvidas, muitas escolhem o mais barato só para não dizer que viajaram sem e outras nem mesmo fazem um. A dica que eu dou é: não economize pesquisas. Procure na internet, veja a reputação da empresa, compare as coberturas, ligue para a seguradora e feche o que for melhor para você. Nós contratamos pelo site da Real Seguro Viagem, você pode comparar e contratar o seu, com 10% de desconto, clicando aqui.
Tenha sempre em mãos seus documentos. Eu imprimo todas as reservas e contratos antes de viajar e coloco numa pasta. Além disso, faço upload numa pasta do Google Drive, porque caso um dia eu esqueça ou não possa levar comigo, ainda terei tudo "em mãos". Mas atenção! Documentos como passaporte a gente deve carregar o original, pois em muitas ocasiões cópias não são aceitas.
É como dizem, às vezes a gente precisa ouvir o nosso corpo. Com certeza dá muito receio ir em um médico/hospital fora do seu país. Tem a questão da língua, o medo de não saber expressar o que sente, os gastos de saúde que podem ser exorbitantes, como nos Estados Unidos... Na maioria dos casos, aquele remedinho que a gente levou na bagagem já será suficiente, mas no nosso saber a hora de procurar ajuda profissional foi fundamental.
Principalmente em caso de estar viajando só, é importante ter contatos locais. Sabe, aquela pessoa que você conheceu no hostel, o número de telefone da sua hospedagem, aquele motorista de Uber super prestativo que você conheceu... registre pelo menos um no seu celular. Tem muita gente boa e solidária por aí, então em caso de emergência tenho certeza que ajuda não vai faltar.
E assim eu encerro o meu relato dessa vivência um tanto quanto inesperada. É como eu sempre digo... "no final, tudo dá certo". E deu.
*Esse relato foi autorizado e até incentivado, ainda durante a viagem, pela pessoa principal: minha parceira oficial de viagens, Isabela.
**As fotos não estão com uma boa resolução, mas são todas que eu tenho desse dia. Eu estava muito tensa para registrar os momentos fotograficamente e também não acharia adequado ficar tirando fotos em ambiente hospitalar.
Amei seu relato sobre o assunto. Parabéns!